Em Jerusalém, a sensação humana esporádica, porém
universal, de sonhar sem poder interpretar o sonho, é mais forte que em
qualquer outro lugar, e ainda mais desde que a cidade realmente existe. Mas é
assim que a pessoa se sente quando no exílio. Pois o exílio é uma espécie de sonho.
Quando o Tehilim afirma que, ao retornar, "seremos como sonhadores"
(Tehilim 126:1), significa que será como se estivéssemos despertando de um
pesadelo.
O sentimento de que estamos vagando em um sonho
inexplicado torna-se muito mais forte quanto maior a freqüência do sonho. A Lei
Judaica analisa perfeitamente esse ponto. Afirma que quando vemos Jerusalém
pela primeira vez, devemos rasgar nossas roupas devido ao luto, e quando vemos
as ruínas do Templo, devemos rasgá-las novamente.
Pois a Jerusalém de hoje não é a verdadeira
Jerusalém de nossos sonhos e nossas ânsias. Falamos tanto sobre
"retorno" em nossa liturgia e nossa poesia porque uma profunda crise
ocorreu com nosso exílio de Jerusalém. Não somente fomos expulsos de nosso lar,
como também a Shechiná, a presença de D'us, exilou-se de nós. Poder-se-ia
pensar que isso afeta somente aos judeus; afinal, foi o Templo judaico e sua
capital a serem destruídos, primeiro em 423 AEC e depois em 70 EC. Mas na
realidade, com este exílio o mundo inteiro está em crise, porque a presença de
D'us afeta a todos, assim como Sua ausência.
A Shechiná, a presença de D'us, exilou-se de nós.
Poder-se-ia pensar que isso afeta somente aos judeus: mas na realidade, com
este exílio o mundo inteiro está em crise, porque a presença de D'us afeta a
todos, assim como Sua ausência
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A ausência de D'us - a ocultação de D'us - tem
desestabilizado profundamente o mundo. Quando D'us voltar a Jerusalém, o mundo
todo recuperará sua estabilidade. E assim nossas três preces diárias para D'us
reconstruir Jerusalém na verdade significam "Ponha o mundo de volta em seu
lugar."
Um exemplo simples expressa bem este conceito.
Todos nós usamos artefatos eletrônicos. Se removermos as pilhas, nada funciona;
quando as recolocamos, tudo trabalha perfeitamente outra vez. Quando dizemos:
"Que Jerusalém seja reconstruída!" estamos pedindo a D'us para
renovar nossa conexão - para colocar as pilhas! - para que tudo comece a
funcionar novamente. Voltar a Sion não é uma questão de geografia, mas de
conexão. Restabelecer esta conexão colocará o mundo outra vez no lugar.
Vimos portanto que a ressurreição de Jerusalém
deverá ocorrer em dois planos - espiritual e material. A respeito de ruas e
casas, é fácil reconstruir Jerusalém. Porém reconstruí-la adequadamente
significa corpo e alma e espírito - seus edifícios, ruas, água e árvores, e
internamente. Como declarou o Rei Salomão: "Vi servos sobre cavalos, e
príncipes caminhando como servos em cima do chão" (Cohêlet 10:7). Desordem
interna é uma das definições de exílio, e quando a ordem correta não é
respeitada, nada é realmente construído. Embora a cidade possa parecer real, é
apenas uma construção imaginária. Daí vêm nossos sentimentos de estarmos
vivendo em um sonho, mesmo quando estamos lá.
Então, como pode Jerusalém ser verdadeiramente
reconstruída? Nossa liturgia nos dá algumas pistas. Antes de mais nada, não
podemos falar sobre Jerusalém sem falarmos de amor, nos sentimentos de Israel
pela Cidade Sagrada, mas também na maneira pela qual o retorno deve acontecer.
Quando dizemos em nossa prece diária: "A Jerusalém, Tua cidade, com
compaixão retornaste" expressamos nosso desejo para que o retorno seja
suave. Pois como nos relembra Yechezkel, poderia também ser catastrófico -
"Eu te governarei com uma mão poderosa... e com ira transbordante, como
uma tempestade pode criar uma montanha." (Yechezkel 20:33)
Eis por que Jerusalém é sempre uma história de
amor, como vemos em grande parte de nossa liturgia e também na poesia. O grande
poeta espanhol Yehudá Halevi chama Jerusalém de "plenitude de beleza"
e afirma que toda a perfeição está unida dentro dela. Em outra canção de amor,
Lecha Dodi - "Venha, minha amada" - que cantamos para dar as boas
vindas ao Shabat, Jerusalém é comparada a uma noiva, enfeitada com adornos,
esperando nosso retorno.
Nossa volta a Jerusalém deve ser também uma
verdadeira reunião, e não apenas um encontro. Jerusalém é uma cidade muito
sensível - uma cidade de paz, mas também um local fervilhante de ódio, devido
ao constante risco de contenda, que infelizmente sobreviveu até os dias de
hoje! Esta irritação brota da hipersensibilidade da cidade. Jerusalém é como o
lugar onde todos os nervos se juntam. Quando você o toca, tudo começa a
estremecer.
Lidar com uma área sensível exige delicadeza
especial. Devemos ser cuidadosos lá, com a cidade e uns com os outros. Daí a
máxima talmúdica: "Aqueles que nasceram em Jerusalém receberão uma
recompensa especial, mas aqueles que amam Jerusalém também a receberão," e
o versículo de Yeshayáhu (66:10), "Rejubile-se com Jerusalém... todos os
que a amam."
Terceiro, a verdadeira reconstrução de Jerusalém
implica na reconstrução do Templo. Há uma progressão. Primeiro, D'us novamente
habitará Jerusalém; depois, reconstruiremos Sua casa e O serviremos lá. Talvez
isso seja por que Yeshayáhu compara Jerusalém e Israel a uma mulher triste,
abandonada pelo marido: antes de mais nada, volta para casa! Depois disso,
veremos.
Então mais uma vez, a mulher abandonada pode ser
nós mesmos: quando a esposa abandonada sai para um passeio, quando ela' está em
algum outro lugar, ela sente menos a ausência do marido. Sente-se mais forte ao
voltar para casa. E assim nosso anelo é maior talvez quando estamos fisicamente
na cidade mas a Shechiná ainda não está. A cidade de ouro ornamentada em sua
luz incomparável faz-nos ansiar ainda mais pela Sagrada Fonte da luz.
Yeshua nos falou acerca de tais coisas. É bonito
quando em meio ao seu discurso, Yohan BarZacharya vaticina uma identidade messiânica:”Eis
o Cordeiro de Elohim que tira o pecado do mundo!”. Dois de seus talmidim logo
em meio a curiosidade implacaram uma perseguição sadia ao Cordeiro, que logo
que percebeu essa perseguição voltou para os talmidim de Yohanan e lhes
indagou: “O que vocês estão procurando?” Essa indagação tem implicações
profundas e íntimas. O que realmente nós estamos querendo? O que é realmente
importante para cada um de nós? Essa pergunta foi ouvida primeiro pelos
talmidim mas ela ecoa além da cortina do tempo chegando o seu eco gutural até
nosso tempo. O Que realmente queremos? Os jovens responderam com uma outra
pergunta: Rabi, onde o senhor mora? É isso mesmo que queremos saber? Onde é a
casa do Salvador? Yeshua não dá uma resposta clara e concreta, ele lança o
convite:” Venham comigo e vocês vão ver onde eu moro”. E ali se iniciava a
grande viagem, cujo objetivo é a casa de Yeshua, no coração de Elohim.
Desde o sonho de Yaacov até o presente, Jerusalém
sempre esteve entre o Céu e a Terra, um lugar onde o sublime está em constante
contato com o mundano. Por um lado, as pessoas cospem no chão; por outro, vivem
como se estivessem em um perpétuo sonho. Ambos os aspectos são reais; nenhum
deles conta toda a história. Pois agora, vivemos no exílio e oramos, uma vez
mais, pelo retorno.
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